ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DA SAÚDE
COORDENAÇÃO-GERAL DE ANÁLISE JURÍDICA DE LICITAÇÕES, CONTRATOS E INSTRUMENTOS CONGÊNERES


 

PARECER REFERENCIAL n. 00005/2021/CONJUR-MS/CGU/AGU

 

NUP: 00737.002695/2021-92

INTERESSADOS: COORDENAÇÃO GERAL DE ANALISE JURÍDICA DE LICITAÇÕES, CONTRATOS E INSTRUMENTOS CONGÉNERES CGLICI

ASSUNTOS: INFORMAÇÕES REFERENCIAIS

 

 

 
EMENTA: Manifestação jurídica referencial. Orientação Normativa n° 55, de 23 de maio de 2014, da Advocacia-Geral da União. Subsídios jurídicos para a defesa da União em juízo em casos envolvendo convênios e contratos de repasse firmados com entidades privadas. Pedido de dispensa de certidões para a celebração. Decreto 6.170/2007 e Portaria Interministerial 424/2016.  Princípio da legalidade. 

 

 

 Trata-se de manifestação jurídica referencial,   baseada na Orientação Normativa nº 55/2014 da Advocacia-Geral da União, que objetiva compilar os subsídios jurídicos que a Consultoria Jurídica da União junto ao Ministério da Saúde fornece aos órgãos do contencioso da AGU para a defesa da UNIÃO em juízo em casos que envolvam pedido da parte autora relativo à formalização de convênios e contratos de repasse com dispensa de alguma das certidões  exigidas pelos normativos de regência. 

Importa salientar que a presente manifestação não envolve análise de caso concreto, mas apenas compila as informações de cunho jurídico que possam auxiliar à União na sua defesa em juízo. Outrossim, a presente manifestação se restringe aos casos em que a parte autora for entidade privada. 

Caso haja necessidade de elaboração de informações complementares relativas às especificidades do caso concreto, essa Consultoria poderá ser instada a se manifestar no processo de maneira individualizada, prestando os  subsídios jurídicos relativos à demanda.

 

 

CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS A TÍTULO DE SUBSÍDIOS PARA A ATUAÇÃO DA UNIÃO EM JUÍZO

 

 

É sabido que a Administração Pública deve obediência ao princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, CF). Vejamos lição de Matheus Carvalho:

 

O princípio da legalidade decorre da existência do Estado de Direito como uma Pessoa Jurídica responsável por criar o direito, no entanto submissa ao ordenamento jurídico por ela mesmo criado e aplicável a todos os cidadãos.
(...)
Com efeito, o administrador público somente pode atuar conforme determina a lei, amplamente considerada, abarcando todas as formas legislativas - desde o próprio texto constitucional até as leis ordinárias, complementares e delegadas. É a garantia de que todos os conflitos sejam solucionados por lei, não podendo o agente estatal praticar condutas que considere devidas, sem que haja embasamento legal específico. Dessa forma, pode-se estabelecer que, no Direito Administrativo, se aplica o princípio da Subordinação à lei. Não havendo previsão legal, está proibida a atuação do ente público e qualquer conduta praticada ao alvedrio do texto legal será considerada ilegítima.
 
(Manual de direito administrativo / Matheus Carvalho - 5. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2018.)

 

A exigência de determinados requisitos no procedimento para celebração de instrumentos conveniais, inclusive prova de regularidade fiscal, têm base normativa.

 

A priori mencione-se o conteúdo do art. 6º da Lei nº 10.522/2002 (Referida lei dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgão e entidades federais e dá outras providências):

 

Art. 6o É obrigatória a consulta prévia ao Cadin, pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, para:
I - realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos;
II - concessão de incentivos fiscais e financeiros;
III - celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica:
I - à concessão de auxílios a Municípios atingidos por calamidade pública reconhecida pelo Governo Federal;
II - às operações destinadas à composição e regularização dos créditos e obrigações objeto de registro no Cadin, sem desembolso de recursos por parte do órgão ou entidade credora;
III - às operações relativas ao crédito educativo e ao penhor civil de bens de uso pessoal ou doméstico.

 

Mencione-se, também, a título exemplificativo, alguns dispositivos do Decreto nº 6.170/2007 e da Portaria Interministerial nº 424/2016. In verbis:

 

Decreto nº 6.170/2007
Art. 6º-B.  Para a celebração de convênio ou de contrato de repasse, as entidades privadas sem fins lucrativos deverão apresentar:            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
I - declaração do dirigente da entidade:            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
a) acerca da não existência de dívida com o Poder Público e quanto à sua inscrição nos bancos de dados públicos e privados de proteção ao crédito; e            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
b) acerca do não enquadramento dos dirigentes relacionados no inciso II do § 2º do art. 3º na vedação prevista no inciso II do caput do art. 2º;            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
II - prova de inscrição da entidade no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ;            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
III - prova de regularidade com as Fazendas Federal, Estadual, Distrital e Municipal e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, na forma da lei;            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
IV - comprovante do exercício, nos últimos três anos, pela entidade privada sem fins lucrativos, de atividades referentes à matéria objeto do convênio ou do contrato de repasse que pretenda celebrar com órgãos e entidades da administração pública federal;            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
V - declaração de que a entidade não consta de cadastros impeditivos de receber recursos públicos; e            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
VI - declaração de que a entidade não se enquadra como clube recreativo, associação de servidores ou congênere.            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
§ 1º  Verificada falsidade ou incorreção de informação em qualquer documento apresentado, o convênio ou o contrato de repasse deverá ser imediatamente denunciado pelo concedente ou contratado.            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
§ 2º  A análise e a aprovação do requisito constante do inciso IV do caput deverá ser realizada pelo órgão ou pela entidade da administração pública federal concedente ou contratante.            (Incluído pelo Decreto nº 8.943, de 2016)
 
Portaria Interministerial nº 424/2016
Art. 22. São condições para a celebração de instrumentos, a serem cumpridas pelo convenente, conforme previsto na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e nas demais normas aplicáveis:
(...)
III - regularidade quanto a Tributos Federais, a Contribuições Previdenciárias e à Dívida Ativa da União, conforme dados da Certidão Negativa de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União de que trata a Portaria PGFN/RFB nº 1.751, de 2 de outubro de 2014, fornecida pelos sistemas da Secretaria da Receita Federal do Brasil -RFB e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional -PGFN, em atendimento ao disposto na alínea "a" do inciso IV do § 1º do art. 25 da Lei Complementar nº 101, de 2000, no inciso IV do art. 27, no art. 29 e no art. 116, todos da Lei nº 8.666, de 1993, e no § 3º do art. 195 da Constituição Federal, sendo válida a informação no prazo e condições da respectiva certidão;
IV - regularidade perante o Poder Público Federal, conforme consulta ao Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados do Setor Público Federal -CADIN, cuja verificação da existência de débitos perante os órgãos e entidades do Poder Público Federal atende o disposto no art. 6º da Lei nº 10.522, de 2002, sendo sua comprovação verificada por meio da informação do cadastro mantido no Sistema de Informações do Banco Central do Brasil - SISBACEN, do Banco Central do Brasil -BACEN, e de acordo com os procedimentos da referida Lei;
V - regularidade quanto a Contribuições para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, conforme dados do Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - CRF/FGTS, fornecido pelo Sistema de Controle da Caixa Econômica Federal - CAIXA, cuja comprovação de regularidade, quanto ao depósito das parcelas devidas ao Fundo, atende ao disposto nos arts. 29, inciso IV, e 116 da Lei nº 8.666, de 1993, e art. 25, inciso IV da Lei Complementar nº 101, de 2000, sendo válida no prazo e condições do respectivo certificado;
VI - regularidade quanto à Prestação de Contas de Recursos Federais recebidos anteriormente, mediante consulta:
a) ao Subsistema Transferências do Sistema de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI, da Secretaria do Tesouro Nacional - STN, para os instrumentos firmados sob a égide da Instrução Normativa STN nº 1, de 15 de janeiro de 1997;
b) ao SICONV, para aqueles firmados sob a égide da Portaria Interministerial MP/MF/MCT nº 127, de 2008, da Portaria Interministerial nº 507/MP/MF/CGU, de 24 de novembro de 2011, e sob a égide desta Portaria;
(...)
XXIII - apresentação de declaração expressa em que o ente federativo ou a entidade da Administração Pública indireta convenente atesta que não incorre, por qualquer dos seus órgãos, nas vedações estabelecidas pela Lei nº 6.454, de 1977. (Incluído pela Portaria Interministerial nº 558, de 10 de outubro de 2019)
(...)
§ 11. Aos instrumentos celebrados:
II - com entidades privadas sem fins lucrativos, aplicam-se somente as exigências previstas nos incisos III, IV, V, VI e XXIII do caput. (Alterado pela Portaria Interministerial nº 558, de 10 de outubro de 2019)

 

Ocorre que, comumente, as entidades privadas alegam a desnecessidade de cumprimento dos requisitos exigidos pelos normativos erigindo como fundamentos o art. 26 da Lei 10.522/02 e o art. 25, §3º da Lei Complementar nº 101/2000 que assim dispõem:

Lei nº 10.522/02
Art. 26.  Fica suspensa a restrição para transferência de recursos federais a Estados, Distrito Federal e Municípios destinados à execução de ações sociais ou ações em faixa de fronteira, em decorrência de inadimplementos objetos de registro no Cadin e no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI. (Redação dada pela Lei nº 12.810, de 2013)
 
Lei Complementar nº 101/2000
Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
(...)
§ 3o Para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social.

 

O art. 26 da Lei nº 10.522/02 trata de suspensão de restrição para transferência de recursos federais "a Estados, Distrito Federal e Municípios destinados à execução de ações sociais ou ações em faixa de fronteira, em decorrência de inadimplementos objetos de registro no Cadin e no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - SIAFI" (Grifo nosso).

 

Já o art. 25 dispõe, de forma cristalina, que, para efeito da lei complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde. No parágrafo primeiro, é dito que para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social. 

 

Enfatize-se: a norma versa acerca de entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação. Ademais, a norma de exceção constante do parágrafo 3º delimita seu âmbito de aplicação "para fins da aplicação das sanções de suspensão de transferências voluntárias constantes desta Lei Complementar, excetuam-se aquelas relativas a ações de educação, saúde e assistência social" (Grifo nosso).

 

É de fácil percepção que, não se tratando a parte autora de ente da federação, não há que se cogitar na aplicação da norma do art. 26 da Lei nº 10.522/2002 ou do §3º do art. 25 da Lei Complementar nº 101/2000.

 

Observe-se o ensinamento de Harrison Leite acerca das transferências voluntárias:

 

 

14.2. Transferências Voluntárias
 
O tema está descrito no art. 25 da LRF. O seu conceito vem delimitado na lei, que considera como transferência voluntária "a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde".

 

Tratam-se de recursos geralmente utilizados para a implementação de ações constantes do orçamento da União e dos Estados, que não podem ser por eles aplicados diretamente pela falta de estrutura administrativa federal ou estadual no ente beneficiário. Visam atender as áreas que a Constituição Federal atribuiu como de competência comum aos entes federativos (art. 23 da CF), a ensejar contrapartida do ente beneficiário, visto que todos devem cooperar na proteção dos bens ali elencados.
 
A sua importância é vital para os Estados e principalmente para os Municípios, pois, para a maioria destes, a sua receita corrente apenas cobre a sua despesa corrente, sem qualquer margem para investimentos (...).
(Grifo nosso)
 
(Manual de Direito Financeiro / Harrison Leite - 6. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2017.)

 

Registre-se, inclusive considerando que as exceções se interpretam de modo estrito, consoante brocardo "exceptiones sunt strictissimae interpretationis", que não parece haver amparo jurídico para a ampliação do âmbito de aplicação do art. 26 da Lei nº 10.522/2002 ou do §3º do art. 25 da Lei Complementar nº 101/2000.

 

É pertinente colacionar o seguinte precedente do STJ, acerca da interpretação das regras de exceção. Apesar de se tratar de julgado antigo, traz relevante lição para o caso em análise:

 

PROCESSUAL CIVIL. REGRA DE EXCEÇÃO. PRAZO EM DOBRO PARA ATUAR EM JUÍZO. DEFENSORIA PÚBLICA. LC N.º 80/94. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA.NORMA DE EXCEÇÃO. ESTENDÍVEL À ESFERA ADMINISTRATIVA.IMPOSSIBILIDADE.1. Hipótese em que a controvérsia a ser dirimida nos presentes autos cinge-se em definir se o benefício do prazo em dobro concedido à Defensoria Pública da União, no art. 44, I, da LC n.º 80/94, estende-se aos procedimentos administrativos ou se refere, tão-somente, aos processos judiciais.2. O art. 44, da Lei Complementar n.º 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, preceitua, verbis: Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União: I - receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhe em dobro todos os prazos;(...)." 3. As prerrogativas processuais, exatamente porque se constituem em regras de exceção, são interpretadas restritivamente.4. "O Código Civil explicitamente consolidou o preceito clássico - 'Exceptiones sunt strictissimoe interpretationis' ("interpretam-se as exceções estritissimamente', no art. 6° da antiga Introdução, assim concebido: "A lei que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica" (...) As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente. Os contemporâneos preferem encontrar o fundamento desse preceito no fato de se acharem preponderantemente do lado do princípio geral as forças sociais que influem na aplicação de toda regra positiva, como sejam os fatores sociológicos, a Werturteil dos tedescos, e outras. (...)" ( Carlos Maximiliano, in "Hermenêutica e Aplicação do Direito", Forense, p.184/193) 5. Aliás, a jurisprudência do E. STJ, encontra-se em sintonia com o entendimento de que as normas legais que instituem regras de exceção não admitem interpretação extensiva. (REsp 806027 / PE ; Rel. Min.FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 09.05.2006; REsp 728753 / RJ, Rel.Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 20.03.2006; REsp 734450 / RJ, deste relator, DJ de 13.02.2006; REsp 644733 / SC ; Rel. Min.FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ acórdão, este relator, DJ de 28.11.2005) 6. Os prazos processuais são prorrogáveis, por força de lei, por isso que afronta à legalidade instituir-se prazo em dobro sequer previsto na Lei Orgânica da instituição, máxime quando a norma, ao pretender fazê-lo, o fez seguindo a regra lex dixit quam voluit.7. Voto para, divergindo do e. relator, dar provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional.(REsp 829.726/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 29/06/2006, DJ 27/11/2006, p. 254)

 

Como visto, as normas legais que instituem regras de exceção não admitem interpretação extensiva.

 

Registre-se, ademais, que há precedente do Superior Tribunal de Justiça em que a corte entendeu que obedece ao princípio da razoabilidade a exigência do Ministério da Saúde em apenas estabelecer convênios com entidades de reputação ilibada, pedindo, para tal comprovação, certidões negativas de débitos fiscais, nos termos do art. 29, da Lei nº 8.666/93. Cumpre transcrever a ementa, na íntegra:

 

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.985 - DF (2008/0259407-5)
ADMINISTRATIVO – CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIOS COM O MINISTÉRIO DA SAÚDE – EXIGÊNCIA DE CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITOS FISCAIS – LEGALIDADE.
1. Obedece ao princípio da razoabilidade a exigência do Ministério da Saúde em apenas estabelecer convênios com entidades de reputação ilibada, pedindo, para tal comprovação, certidões negativas de débitos fiscais, nos termos do art. 29 da Lei n. 8.666/93.
2. Os atributos exigidos a todos os interessados em estabelecer convênios com o Ministério da Saúde estão previstos em lei, não se configurando, portanto, abusivos ou ilegais. Ao contrário, é mandamento constitucional e legal a cautela de se verificar a idoneidade do particular antes de contratar com a Administração Pública. Ordem de segurança denegada

 

Outrossim, há também precedente do Superior Tribunal de Justiça em que restou consignado expressamente ser legítima a exigência de certidões negativas de débitos fiscais para que o particular possa celebrar convênio com a Administração Pública. In verbis:

 

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIOS COM O SUS. EXIGÊNCIA DE CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITOS FISCAIS. LEGALIDADE.
1. A Constituição da República, no § 3º de seu art. 195, dispõe que a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Em termos semelhantes, o CTN, em seu art. 193, já previa o seguinte: "Salvo quando expressamente autorizado por lei, nenhum departamento da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, ou dos Municípios, ou sua autarquia, celebrará contrato ou aceitará proposta em concorrência pública sem que o contratante ou proponente faça prova da quitação de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, relativos à atividade em cujo exercício contrata ou concorre". De acordo com o art. 47, I, a, da Lei n.8.212/91, que dispõe sobre a seguridade social, é exigida, da empresa, Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, na contratação com o Poder Público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedido por ele.Também a Lei n. 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos com a Administração Pública, em seu art. 27, IV, estabelece que, para a habilitação nas licitações, exigir-se-á dos interessados documentação relativa a regularidade fiscal. A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei, bem como em prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei (art. 29, III e IV, da Lei 8.666/93). As disposições da Lei n. 8.666/93 aplicam-se, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração (art.116).
2. Em conformidade com as normas jurídicas acima, a Primeira Seção desta Corte, por ocasião do julgamento do MS 13.985/DF (Rel. Min.Humberto Martins, DJe 5.3.2009), decidiu ser legítima a exigência de certidões negativas de débitos fiscais para que o particular possa celebrar convênio com a Administração Pública.
3. Não se aplica aos hospitais e às instituições filantrópicas afins o disposto no art. 26, §§ 1º e 2º, da Lei n. 10.522/2002, mas tão-somente às pessoas jurídicas de direito público relacionadas no referido dispositivo legal.
4. Recurso ordinário não provido.(RMS 32.427/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 19/11/2010)
(Grifo nosso)

 

Por outro lado, outras vezes o fundamento do pedido é calcado na existência de emendas individuais ao projeto de lei orçamentária previsto no art. 166 da Constituição Federal, nesse caso, tem-se que  a exceção prevista no §16,  para execução da programação prevista nos §§ 11 e 12 do artigo citado, apenas se aplica quando a transferência  for destinada a Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, como se observa: 

 

Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.
(...)
§ 9º As emendas individuais ao projeto de lei orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde.               (Incluído pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)
(...)
§ 11. É obrigatória a execução orçamentária e financeira das programações a que se refere o § 9º deste artigo, em montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os critérios para a execução equitativa da programação definidos na lei complementar prevista no § 9º do art. 165.            (Incluído pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015)
§ 12. A garantia de execução de que trata o § 11 deste artigo aplica-se também às programações incluídas por todas as emendas de iniciativa de bancada de parlamentares de Estado ou do Distrito Federal, no montante de até 1% (um por cento) da receita corrente líquida realizada no exercício anterior.          (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 100, de 2019)           (Produção de efeito)        (Vide)         (Vide)
§ 13. As programações orçamentárias previstas nos §§ 11 e 12 deste artigo não serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos de ordem técnica.          (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 100, de 2019)           (Produção de efeito)
§ 14. Para fins de cumprimento do disposto nos §§ 11 e 12 deste artigo, os órgãos de execução deverão observar, nos termos da lei de diretrizes orçamentárias, cronograma para análise e verificação de eventuais impedimentos das programações e demais procedimentos necessários à viabilização da execução dos respectivos montantes.              (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 100, de 2019)           (Produção de efeito)
(...)
§ 16. Quando a transferência obrigatória da União para a execução da programação prevista nos §§ 11 e 12 deste artigo for destinada a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios, independerá da adimplência do ente federativo destinatário e não integrará a base de cálculo da receita corrente líquida para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal de que trata o caput do art. 169.          (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 100, de 2019)           (Produção de efeito)
(Grifo nosso)

 

A regra constitucional foi bastante clara quanto ao seu âmbito de aplicação. Assim, por cautela, registre-se que não entende-se possível, na linha do exposto anteriormente, interpretação extensiva para englobar, na norma do §16 do art. 166 da Constituição Federal, entidade privada. 

 

Ademais, cumpre mencionar que, segundo o art. 62-A da Lei nº 13.898/2019 "para fins do disposto no inciso II do § 11 do art. 165 e no § 13 do art. 166 da Constituição, entende-se como impedimento de ordem técnica a situação ou o evento de ordem fática ou legal que obsta ou suspende a execução da programação orçamentária". 

 

O art. 67 da recente Lei nº 14.116, de 31 de Dezembro de 2020, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2021 e dá outras providências, mantém a disposição: "para fins do disposto no inciso II do § 11 do art. 165 e no § 13 do art. 166 da Constituição, entende-se como impedimento de ordem técnica a situação ou o evento de ordem fática ou legal que obsta ou suspende a execução da programação orçamentária".

 

Por fim, cumpre registrar que recentemente o Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União -DECOR/CGU/AGU, por meio do do PARECER n. 00093/2019/DECOR/CGU/AGU (NUP: 58000.111366/2017-40), concluiu que a "Portaria Interministerial nº 424/2016 aplica-se aos convênios e contratos de repasse lastreados com recursos de emendas parlamentares individuais de execução obrigatória, de que cuida o art. 166, § 9º e seguintes, da CRFB/1988, por força do seu art. 2º e do seu art. 5º, §§ 1º e 5º, bem como o disposto pelos art. 4º e art.  7º da Portaria Interministerial nº 43/2020".

 

Vejamos trechos do opinativo:

 

21. (...) A Portaria Interministerial nº 424/2016 aplica-se às emendas parlamentares individuais de execução obrigatória de que cuida o art. 166, § 9º e seguintes da Constituição Federal de 1988, considerando o que dispõe o seu art. 5º, §§ 1º e 5º, bem como relevando que seu art. 2º não excluiu de sua incidência os instrumentos decorrentes das referenciadas emendas parlamentares individuais impositivas: 
 
Art. 2º Não se aplicam as exigências desta Portaria:
I - aos instrumentos:
a) celebrados anteriormente à data da sua publicação, devendo ser observadas, neste caso, as prescrições normativas vigentes à época da sua celebração, podendo, todavia, se lhes aplicar o disposto nesta Portaria naquilo que beneficiar a consecução do objeto do instrumento e análise de prestação de contas; (Alterado pela PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 235, DE 23 DE AGOSTO DE 2018).
b) que tenham por objeto a delegação de competência ou a autorização a órgãos ou entidades de outras esferas de governo para a execução de atribuições determinadas em lei, regulamento ou regimento interno, com geração de receita compartilhada; e
c) homologados pelo Congresso Nacional ou autorizados pelo Senado Federal naquilo em que as disposições dos tratados, acordos e convenções internacionais, específicas, conflitarem com esta Portaria, quando os recursos envolvidos forem integralmente oriundos de fonte externa de financiamento;
II - a outros casos em que lei específica discipline de forma diversa a transferência de recursos para execução de programas em parceria do Governo Federal com governos estaduais, municipais e do Distrito Federal ou entidades privadas sem fins lucrativos;
III - às transferências obrigatórias para execução de ações no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, regulamentadas pela Lei nº 11.578, de 26 de novembro de 2007, exceto o disposto no Capítulo I do Título I, desta Portaria, no que couber; e (Alterado pela PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 277, DE 3 DE OUTUBRO DE 2017).
IV - aos termos de execução descentralizada.
...
Art. 5º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que pretenderem executar programas, projetos e atividades que envolvam transferências de recursos financeiros oriundos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União deverão cadastrar anualmente no SICONV os programas a serem executados de forma descentralizada e, quando couber, critérios para a seleção do convenente.
§ 1º Os programas de que trata o caput, exceto àqueles relativos às emendas parlamentares individuais, nos termos do § 13 do art. 166 da Constituição Federal, serão divulgados em até 60 (sessenta) dias após a sanção da Lei Orçamentária Anual e deverão conter a descrição, as exigências, os padrões, procedimentos, critérios de elegibilidade e de prioridade, estatísticas e outros elementos que possam auxiliar a avaliação das necessidades locais. (Alterado pela PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 114, DE 7 DE MAIO DE 2018).
...
§ 5º A divulgação dos programas para atendimento das emendas parlamentares individuais de execução obrigatória se dará em observação aos prazos das portarias anuais que regulamentam os procedimentos e prazos para apresentação, registro e operacionalização das emendas parlamentares individuais, e prazos e procedimentos para a superação de impedimentos técnicos, com vistas ao atendimento do disposto no art. 166, §§ 9º a 18, da Constituição Federal. (Incluído pela PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 114, DE 7 DE MAIO DE 2018).
 
22. Além disso, acerca da matéria, observa-se que em 2020 foi editada a Portaria Interministerial nº 43, do Ministério da Economia e da Secretaria-Geral da Presidência da República, a qual também submete as emendas parlamentares individuais de execução obrigatória aos termos da Portaria Interministerial nº 424, de 2016:
 
Portaria Interministerial nº 43, de 2020
Art. 4º Os autores das emendas individuais deverão indicar ou atualizar, nos prazos estabelecidos pelo Órgão Central do SPOF, os beneficiários de suas emendas e a ordem de prioridade no módulo Orçamento Impositivo do SIOP, sem prejuízo do disposto no art. 67, I, da Lei nº 13.898, de 2019.
...
§ 3º Os órgãos ou entidades da Administração Pública direta e indireta dos Estados e Municípios e do Distrito Federal beneficiários das emendas que serão executadas por meio de convênios e contratos de repasse deverão ser registrados no SIOP e na Plataforma +Brasil pelo número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) na condição de estabelecimento-matriz, em atenção ao disposto no art. 22, § 19, da Portaria Interministerial nº 424, de 2016.
...
Art. 7º A Secretaria de Gestão, da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (SEGES/SEDGG), divulgará e atualizará na Plataforma +Brasil os cronogramas para análise e indicação dos impedimentos de ordem técnica das emendas operacionalizadas na Plataforma +Brasil, inclusive quando houver abertura do SIOP aos autores para fins de inclusões ou atualizações dispostas no art. 4º.
§ 1º Quando o beneficiário for entidade privada sem fins lucrativos, a celebração dependerá do atendimento dos requisitos constantes da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, da da Lei nº 13.898, de 2019, e dos requisitos exigidos pela legislação aplicável a cada tipo de instrumento, da seguinte forma:
...
III - nos casos de convênios ou contratos de repasse com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, nos termos do art. 199, § 1o, da Constituição, ou com serviços sociais autônomos: Decreto no6.170, de 2007, e Portaria Interministerial nº 424, de 2016.
§ 2º O não atendimento aos requisitos das legislações específicas de que trata o 1º impedirá a celebração dos instrumentos.
§ 3º As condições para celebração de convênio ou contrato de repasse que possam ser objeto de cláusula suspensiva, previstas na Portaria Interministerial nº 424, de 2016, deverão ser caracterizadas como obrigações a termo de responsabilidade exclusiva do proponente, e não serão indicadas como impedimento de ordem técnica para fins de cumprimento dos prazos do cronograma disposto no caput.
§ 4º O não atendimento de quaisquer dos requisitos de prazo dispostos neste artigo será consignado na Plataforma +Brasil, a fim de que o proponente seja informado para adotar os procedimentos necessários à regularização da situação.
 
3. CONCLUSÃO

 

23. Deste modo, diante de todo o exposto, em resposta a consulta formulada, é o presente para concluir que:
(...)
b) Esta Portaria Interministerial nº 424/2016 aplica-se aos convênios e contratos de repasse lastreados com recursos de emendas parlamentares individuais de execução obrigatória, de que cuida o art. 166, § 9º e seguintes, da CRFB/1988, por força do seu art. 2º e do seu art. 5º, §§ 1º e 5º, bem como o disposto pelos art. 4º e art.  7º da Portaria Interministerial nº 43/2020.

 

Deste modo, percebe-se que ainda que o repasse seja oriundo de emendas parlamentares individuais, as entidades privadas se submetem,  à disciplina do Decreto 6.170 e da Portaria Interministerial 424/2016, de modo que lhes é aplicável as exigências legais para a celebração do instrumento. 

 

No que pertine exclusivamente aos contratos de repasse, tem-se que o que difere tais instrumentos dos convênios é apenas a  presença da mandatária, que é a instituição ou o agente financeiro público federal por meio do qual se opera a transferência dos recursos financeiros.

 

Segundo o Manual sobre convênios, contratos de repasse e instrumentos congêneres:

 
contrato de repasse é semelhante ao convênio em relação aos seus fins, porém se diferencia pela intermediação de uma instituição ou agente financeiro público federal, que representa a União na execução e fiscalização da transferência. Salvo se a concedente tenha estrutura para acompanhar a execução do convênio, a legislação define contrato de repasse para execução de objeto que preveja a realização de obra (preferencialmente).

 

Nesses casos, a instituição financeira que atua como mandatária da União é a responsável pela  celebração e operacionalização dos contratos de repasse, sendo possível cogitar, inclusive, de carência de ação em relação à União por ausência de interesse utilidade em propor a demanda em face do ente da administração pública federal direta. 

 

No que se refere ao mérito, os fundamentos aqui elencados também se aplicam aos contratos de repasse, vez que os normativos de regência se aplicam tanto a convênios quanto a estes. 

 

CONCLUSÃO

 

De todo exposto tem-se as seguintes conclusões:

 

 

 

À consideração superior,

 

 

Brasília, 15 de março de 2021.

 

 

ADRIELE MATOS DE SANTANA SANTOS

Advogada da União

Coordenadora de Suporte Jurídico em Procedimentos Licitatórios

COJUPLI/GLICI/CONJUR-MS

 

 

 


Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00737002695202192 e da chave de acesso 5b38020c

 




Documento assinado eletronicamente por ADRIELE MATOS DE SANTANA SANTOS, de acordo com os normativos legais aplicáveis. A conferência da autenticidade do documento está disponível com o código 596188742 no endereço eletrônico http://sapiens.agu.gov.br. Informações adicionais: Signatário (a): ADRIELE MATOS DE SANTANA SANTOS. Data e Hora: 19-03-2021 13:24. Número de Série: 129088775082263445319940945. Emissor: Autoridade Certificadora SERPRORFBv5.